Por Geraldo Lavigne de Lemos

Os negócios imobiliários envolvem especificidades legais com consequências relevantes para os direitos envolvidos. Nesse contexto, conhecer a diferença entre Sociedade de Propósito Específico (SPE) e patrimônio de afetação contribui para a análise do negócio pelo tomador de decisão.

1. Sociedade de Propósito Específico (SPE) foi apontada pela primeira vez na Lei nº11.079/2004, para qualquer um dos tipos societários permitidos por lei ou como uma variante da Sociedade por Ações (Sociedade Anônima, disposta na Lei nº 6.404/1976), podendo neste caso assumir a forma de companhia aberta e ter os valores mobiliários de sua emissão – das ações – admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários – na bolsa (artigo 9º, § 2º, da Lei nº 11.079/2004, e artigo 4º da Lei nº 6.404/1976). A SPE não é um novo tipo de sociedade. Trata-se de uma sociedade que, em seus atos constitutivos, tem por objeto a consecução de um empreendimento específico.

A Lei nº 11.079/2004 previu a SPE visando parcerias público-privadas para implantar e gerir o objeto da parceria (artigo 9º, caput, da Lei nº 11.079/2004), como uma forma de elevar os padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas (artigo 9º, § 3º, da Lei nº 11.079/2004), além de individualizar obrigações e responsabilidades dissociadas dos entes contratantes da parceria. Assim, a SPE constitui uma pessoa jurídica distinta de seus sócios (note-se, mais uma vez, que se forma uma nova sociedade, entre os tipos previstos em lei, mas não constitui um novo tipo de sociedade), mediante a reunião de interesses e recursos para a execução de empreendimento específico e determinado (conforme autorizam o artigo 981, parágrafo único, do Código Civil e o artigo 2º da Lei 6.404/1976), sendo dissolvida tão logo se complete a finalidade específica para a qual foi criada (conforme autorizam os artigos 1.033, II, 1.035, 1.044, 1.051, I, 1.087, todos do Código Civil, e o artigo 206, I, b, da Lei 6.404/1976).

A independência patrimonial da SPE segrega ativos e passivos vinculados ao objeto social na forma da sociedade escolhida, impedindo a transposição de obrigações cruzadas entre sócios e sociedade que possam inviabilizar o fiel cumprimento da finalidade específica ou responsabilizar os sócios pelo insucesso do empreendimento. Torna-se, portanto, uma medida de proteção patrimonial que confere vantagens e segurança ao empreendimento tanto para os sócios quanto para terceiros. Em razão disso, a SPE passou a ser utilizada em outras atividades empresariais distintas das parcerias público-privadas, com especial destaque para as incorporações imobiliárias.

Nas incorporações imobiliárias e nos condomínios em edificações (regidos pela Lei nº 4.591/1964 e pelo Código Civil), a execução do empreendimento através da constituição de uma SPE viabiliza a separação patrimonial daquele empreendimento específico em relação aos demais empreendimentos executados pela construtora ou incorporadora. Nessa esteira, a SPE busca vincular os direitos e as obrigações apenas ao próprio empreendimento, de modo que ele não seja afetado pelo insucesso de outro empreendimento ou pela má administração empresarial dos sócios.

2. patrimônio de afetação está previsto nos artigos 31-A a 31-F da Lei nº 4.591/1964 e configura uma forma de separação patrimonial da incorporação imobiliária sem a constituição de uma sociedade distinta da pessoa do incorporador. É uma medida legal que submete a incorporação ao chamado regime de afetação, pelo qual o terreno, as acessões, os bens e os direitos objeto do empreendimento serão destacados do patrimônio do incorporador e destinados à execução da incorporação correspondente até a entrega das unidades imobiliárias aos compradores (artigo 31-A, caput,da Lei nº 4.591/1964).

A afetação do patrimônio pode ser feita a qualquer tempo pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno (artigo 31-B, caput,da Lei nº 4.591/1964). O regime de afetação é instituído mediante averbação na matrícula do imóvel, no Cartório de Registro de Imóveis competente, e posterior adesão ao regime especial de tributação perante a Receita Federal com a entrega do termo de opção, extinguindo-se com a conclusão da obra, averbação da construção na respectiva matrícula imobiliária, registro dos títulos de direitos reais dos compradores e extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora, ressalvado os casos de insucesso do empreendimento (artigos 31-B e 31-E, da Lei nº 4.591/1964).

O patrimônio de afetação cria um eficaz sistema de vinculação de receitas que obriga o incorporador a manter contabilidade própria do empreendimento e arrecadar em favor da incorporação todos os créditos decorrentes da comercialização das unidades até o limite necessário à conclusão da obra (artigos 31-A e 31-D, da Lei nº 4.591/1964). Além disso, o incorporador é obrigado a formar uma Comissão de Representantes composta de pelo menos três membros, entre os compradores, designados no contrato de construção ou eleitos em assembleia geral dos condôminos da incorporação, com a finalidade de fiscalizar a incorporação e representar os direitos dos próprios compradores (artigo 50,da Lei nº 4.591/1964). A instituição do regime de afetação também permite que o empreendimento tenha CNPJ próprio e conta bancária.

A afetação do patrimônio é considerada uma vantagem adicional ao empreendimento, vista como medida de segurança capaz de elevar a competitividade no mercado ao assegurar aos compradores que o terreno e as acessões e os respectivos bens e direitos permanecerão vinculados à execução do empreendimento e não serão afetados por dívidas e obrigações estranhas à incorporação, reduzindo os riscos. Além disso, o patrimônio de afetação atribui maior transparência à administração da incorporação ao ensejar a apuração individualizada da contabilidade do empreendimento.

Esclarecidos os pontos acima, podemos inferir que:

  • Pode existir empreendimento imobiliário sem a constituição de Sociedade de Propósito Específico e sem a instituição do patrimônio de afetação.
  • A Sociedade de Propósito Específico pode instituir ou não o patrimônio de afetação.
  • É possível instituir o patrimônio de afetação sem constituir Sociedade de Propósito Específico.
  • A Sociedade de Propósito Específico e o patrimônio de afetação atribuem maior segurança aos empreendimentos imobiliários, tanto para os compradores quanto para os incorporadores.
  • A maior segurança conferida pela Sociedade de Propósito Específico ou pelo patrimônio de afetação facilita e agiliza o crédito imobiliário.
  • A Sociedade de Propósito Específico e o patrimônio de afetação causam impactos na tributação do empreendimento.